Comunicado de Imprensa: A Flotilha Amazônica Yaku Mama inicia uma travessia histórica rumo à COP30

- A “Flotilha Amazônica Yaku Mama” inicia uma jornada que reescreve a história: do ponto de origem da conquista, hoje surge um movimento que exige que a verdadeira justiça climática seja definida nos territórios, e não nos gabinetes.
- Com um funeral simbólico para os combustíveis fósseis, o movimento liderado por Povos Indígenas, organizações territoriais e aliadas busca dar visibilidade ao custo humano e ambiental do extrativismo, além de exigir uma transição energética justa e uma Amazônia livre de exploração.
QUITO, EQUADOR – 16 de outubro de 2025. A “Flotilha Amazônica Yaku Mama” parte da cidade de Coca, no Equador, em uma viagem simbólica para exigir um novo paradigma: colocar a Amazônia no centro da luta pela justiça climática e promover o fim da exploração e do uso de combustíveis fósseis.
Juntando os Andes à Amazônia, uma coalizão de 60 organizações indígenas e territoriais, junto a aliados de todo o mundo, navegará 3.000 quilômetros rumo à COP30, que será realizada em Belém, no Brasil, no início de novembro. Essa viagem não é apenas um ato de protesto, mas uma exigência contundente: a justiça climática deve se tornar realidade e a extração de combustíveis fósseis na Amazônia deve ser interrompida imediatamente.
Os participantes da flotilha se reuniram previamente em Quito, de onde partiram. A escolha não foi meramente simbólica, mas buscou confrontar a história: foi dessa cidade que, em 1541, partiu a expedição de Francisco de Orellana que resultou na “descoberta” do rio Amazonas. Hoje, a “Flotilha Amazônica Yaku Mama” mudou simbolicamente essa rota de conquista, transformando-a em uma rota de conexão. Com isso, presta-se uma homenagem à resistência dos povos indígenas e ao seu primeiro levante continental de 1992. O objetivo é fazer com que o mundo finalmente ouça as vozes dos territórios.
“Esta viagem é um ato de resistência e empoderamento que vincula a crise climática às suas raízes coloniais e extrativistas, posicionando os povos que menos contribuíram para ela como os mais afetados. É um chamado urgente à COP30 para que reconheça que a verdadeira justiça climática nasce na terra, flui com seus rios e se sustenta naqueles que cuidam dela”, afirmou Lucía Ixchú, indígena maia K’iche’ da Guatemala e porta-voz da flotilha.
Para dar início à travessia, a tripulação da flotilha, juntamente com organizações aliadas, realizará um funeral simbólico para se despedir da era dos combustíveis fósseis, que devastou a Amazônia. Esta ação coletiva denuncia as falsas soluções que, em nome da transição energética, continuam impondo projetos extrativistas e novas zonas de sacrifício em territórios indígenas. Diante disso, os povos amazônicos reivindicam seu direito de decidir sobre seus territórios e de liderar o caminho para uma transição justa e viva, sem a criação de novas zonas de sacrifício por meio da mineração, de derramamentos de petróleo e de monoculturas.
A Flotilha Amazônica Yaku Mama exige uma transição energética verdadeiramente justa e vinculante. Os Povos Indígenas instam governos e empresas a garantirem que qualquer projeto de energia limpa respeite o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) e ponha fim aos empreendimentos de combustíveis fósseis que ameaçam seus territórios e modos de vida.
Ao mesmo tempo, eles clamam pelo reconhecimento e pela proteção de zonas intangíveis para os Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (PIACI), cuja existência e bem-estar dependem de territórios livres de exploração. A proteção dessas florestas não apenas garante a sobrevivência desses povos, mas também preserva a biodiversidade, mantém o equilíbrio climático global e assegura a qualidade de vida de todos os habitantes do planeta.
A travessia começa em um momento crítico para a Amazônia. Segundo um relatório apresentado pelo Programa de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP) no ano passado, 2024 foi um ano recorde de devastação, com a perda de 4,5 milhões de hectares de floresta primária por desmatamento e incêndios. Essa destruição é impulsionada pelo avanço do extrativismo: o mesmo estudo revela que o desmatamento para a mineração de ouro aumentou mais de 50% desde 2018, e que 36% dele ocorre dentro de áreas protegidas e territórios indígenas.

O Rio que flui: da História à Esperança
“Estamos hoje no Equador por uma razão muito específica. Séculos atrás, partiram de Quito as missões que se arrogaram o ‘descobrimento’ do Grande Rio das Amazonas partiram de Quito, levando a conquista aos nossos territórios”, afirmou Leo Cerda, indígena Kichwa de Napo (Equador).
“Nós também chegamos até o Quito, esse ponto de partida histórico, para ressignificar a rota. E, neste 16 de outubro, partirá de Coca, cidade de Francisco de Orellana, uma nova travessia que honra a memória da luta e resistência dos Povos Indígenas Amazônicos. Dedicamos também esta viagem à memória do dia 12 de outubro, símbolo da resiliência dos Povos da América. Partimos não para conquistar, mas para nos conectar e fazer com que o mundo, finalmente, ouça as vozes do território”, acrescentou.
A flotilha é composta por uma delegação de cinquenta pessoas, representantes de povos indígenas e de organizações da sociedade civil da Amazônia, Mesoamérica, República do Congo e da Indonésia. Ela percorrerá o rio Amazonas para denunciar as “cicatrizes do extrativismo”, como a mineração ilegal e o desmatamento, e, ao mesmo tempo, destacar a força das alternativas já existentes em suas comunidades, tais como os empreendimentos produtivos, o monitoramento territorial e a ciência ancestral.

A era dos combustíveis fósseis na Amazônia deve chegar ao fim
Os combustíveis fósseis não apenas atentam contra o meio ambiente; mas também são um motor de violência social.
No mundo todo, especialmente na Amazônia, defender o território se tornou uma sentença de morte. De acordo com o último relatório da Global Witness, publicado em 2024, entre 2012 e 2024, pelo menos 2.253 pessoas que faziam a defesa de seus territórios foram assassinadas ou desapareceram, das quais 40% eram indígenas.
A violência contra a Amazônia se manifesta na expansão silenciosa da indústria de petróleo e gás fóssil. Entre 2012 e 2020, o número de campos de exploração aumentou 13%, e atualmente a extração está presente em oito dos nove países amazônicos. De acordo com o InfoAmazonia e o Instituto Arayara, a exploração de petróleo se sobrepõe a 441 territórios ancestrais e 61 áreas naturais protegidas, devastando a floresta e colocando em risco a vida e a autodeterminação dos povos indígenas. Em toda a Pan-Amazônia, há 933 blocos de petróleo e gás, dos quais 472 estão no Brasil, 71 no Equador, 59 no Peru e 47 na Colômbia, muitos deles dentro de áreas protegidas ou territórios indígenas.
O impacto dessa indústria é devastador: entre 2000 e 2023, o Peru registrou 831 vazamentos de petróleo, enquanto o Equador regitrou 1.584 entre 2012 e 2022. No Brasil, a tentativa de abertura de uma nova fronteira petrolífera na foz do rio Amazonas, no bloco FZA-M-59 da Petrobras, foi rejeitada três vezes pelo IBAMA devido aos riscos à biodiversidade. O desmatamento associado à infraestrutura petrolífera, como estradas e oleodutos, fragmenta a floresta e facilita o acesso a áreas anteriormente inexploradas. Além disso, a queima de gás e os vazamentos contaminam o ar, a água e o solo, afetando a saúde de 1,2 milhão de pessoas que vivem a menos de cinco quilômetros de poços ativos, segundo o Greenpeace (2025).
As mudanças climáticas, impulsionadas pela queima de combustíveis fósseis, responsável por 75% das emissões globais de gases de efeito estufa (IPCC-AR5), estão levando a floresta ao limite: secas extremas, inundações severas e uma crescente vulnerabilidade ao fogo ameaçam empurrar a Amazônia para um ponto de não retorno.
Exigir justiça climática é também exigir justiça para aqueles que sustentam a esperança do planeta. A COP30 não pode se limitar aos discursos de sustentabilidade enquanto os projetos extrativistas continuam se expandindo. A Flotilha Amazônica Yaku Mama exige uma transição energética justa e vinculante, que respeite os direitos dos povos indígenas e garanta uma Amazônia livre de petróleo, gás e carvão. Somente assim será possível proteger a vida, a dignidade e a biodiversidade preservadas há muito tempo pelos povos amazônicos.“Para nós, Povos Indígenas, a crise climática não é um problema distante. Ela é a invasão de nossas terras, a contaminação de nossos rios e a ameaça direta à vida de nossas crianças. Defender a Amazônia não é apenas uma luta pela natureza, mas também é uma luta pela nossa própria existência. Não pode haver justiça climática sem justiça para os povos que cuidam desta terra há milênios. Na COP30, exigimos que ouçam nossas vozes e que tomem medidas concretas, proibindo de uma vez por todas a extração de combustíveis fósseis”, disse Kelly Guajajara, jovem indígena Guajajara do Brasil e representante da Mídia Indígena.

Os Povos Indígenas como Parte da Solução Climática
A caravana defende o argumento de que os Povos Indígenas não são apenas vítimas da crise climática, mas também são protagonistas de soluções vivas e concretas. Sua jornada é um testemunho de como os conhecimentos ancestrais e as práticas locais são vitais para a governança climática global.
“Esta flotilha não é apenas um protesto, mas uma mensagem viva que navega pelas veias da Amazônia. O próprio rio nos mostra suas cicatrizes: as manchas de petróleo, e as feridas causadas pela mineração. No entanto, em cada comunidade que visitamos, também encontramos resiliência e soluções. Não viemos apenas para apresentar um problema na COP30; viemos para mostrar as soluções que nossos povos e a floresta cultivam há milênios”, afirmou Alexis Grefa, um jovem equatoriano da etnia Kichwa.
Em contraste com essa devastação, a Flotilha busca destacar os Povos Indígenas como a solução climática mais eficaz. A ciência confirma: segundo o relatório do MAAP de 2024, os Territórios Indígenas e Áreas Protegidas cobrem quase metade da Amazônia (49,5%) e armazenam 60% de todo o carbono presente na região. Entre 2013 e 2022, enquanto o restante da bacia se tornou uma fonte líquida de emissões, esses territórios funcionaram como sumidouros de carbono, absorvendo 257 milhões de toneladas métricas.
Estudos mostram que os Povos Indígenas gerenciam ou têm direitos sobre um quarto da superfície terrestre, que contém 37% das terras naturais intactas e um terço das paisagens florestais do planeta. A biodiversidade nesses territórios também se mantém mais estável do que em ecossistemas similares fora deles, mesmo em zonas de conflito.
O respaldo científico é sólido e confirma que os Povos Indígenas não apenas protegem seu território e seus modos de vida, mas também desempenham um papel crítico no equilíbrio climático global, tema central da COP30.

Chamados à Ação e Exigências-Chave para a COP-30
A caravana exige que os tomadores de decisão na COP-30 adotem medidas concretas para:
- Reconhecer e garantir os direitos territoriais dos Povos Indígenas e das comunidades locais é a estratégia climática mais eficaz para proteger as florestas, os rios e a biodiversidade.
- É preciso assegurar o financiamento direto e sem intermediários para aqueles que cuidam da vida, a fim de fortalecer a proteção de ecossistemas críticos e a resiliência diante da crise climática. Embora US$ 1,7 bilhão tenha sido prometido na COP26, 76% dos recursos do Fundo Verde para o Clima permanecem sob o controle de intermediários internacionais.
- A transição energética não pode se repetir nos mesmos territórios já afetados. É essencial garantir a participação plena e com poder de decisão dos Povos Indígenas para evitar a criação de novas zonas de sacrifício em nome do progresso.
- Integrar a proteção dos defensores da terra em todas as políticas climáticas.
“Há poucos dias, no Equador, nos despedimos de Efraín Fuérez, Rosa Elena Paqui e José Alberto Guamán —líderes Kichwa Otavalo e defensores do território— assassinados durante a paralisação nacional. A memória deles se une à travessia como um lembrete de que exigir justiça climática também é exigir justiça para aqueles que, com suas vidas, sustentam a esperança do planeta”, afirmou Leo Cerda.“A flotilha não é apenas uma viagem, mas uma exigência. Não vamos a Belém para pedir um espaço, vamos exigir que as políticas climáticas sejam construídas a partir dos territórios, com justiça para quem cuida da vida”, destaca sua declaração.